sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ela abriu a caixa.
Ela abriu a caixa.
Era o que diziam todos eles.
Especulava-se sobre seu conteúdo, mas não havia verdade nas verdades que contavam em cada canto daquele lugar. Ela realmente abrira a caixa, mas nem ela sabia o que encontrara. Ou se encontrara. Não procurava. Ou não sabia que procurava. Talvez aquela janela teria dito, se a tivesse observado com mais cautela. E no encontro com tudo aquilo ela se perdeu.
Ao primeiro olhar era apenas mais uma caixa. Parda. Média. Nenhum interesse. Não fosse porque sentisse uma inquietude ansiosa ela não teria nem mesmo notado que estava lá. Ou notá-la seria apenas mais uma passagem na sequência do olhar abstrato.
Não sabia como e nem porque. Quando se percebeu estava a vasculhar. No meio de um novelo, sem saber de onde partiu o fio que o enrolou.
Estava automaticamente lá.
Era como um sonho, mas piscava.
E havia o cheiro...
Em meio àquelas coisas todas e sob todo o cinza - Pardo, podia garantir que era pardo. Uma cor que sendo não é. Uma definição indefinida, comparada. Demonstração de coisíssima nenhuma - em meio àquilo tudo, afastando o que lhe cegava, ela pôde ver -  uma dose, duas doses - a TV e as cartas, os jogos que tão pouco conhecia, mas que com familiaridade lhe ohavam. De dentro, foram reconhecidos, como se suas regras fossem feitas e refeitas a cada momento, por cada jogador, num aparente desentendimento que se entendia por si só, e o cheiro...
Viu também o espelho. Não lhe refletia, mas mostrava-a como bem queria. Como ele queria. Ela não se deteve. Achava que a imagem não lhe fazia jus.
O cheiro era mais evidente, mas não era sentido. Era como se pudesse reconhecê-lo onde quer que o sentisse, mas não o sentia. Só é possível descrever cheiros quando relacionados a coisas percebidas pelos outros sentidos. O olfato é um sentido lua.
Lá no fundinho um pote pequeno com a tampa quebrada. Era a essência.
Era. O vazio denunciava.
A partir daí o cheiro lhe veio como um punhal. Estivera lhe rondando e era afiado.
Doeu.
Doeu muito.
Oh, Deus! Como segurá-lo? O mais belo dos cheiros estava se esvaindo e tudo o que podia fazer era cheirá-lo o mais que pudesse.
Fechou a caixa tão bem fechada que ninguém mais a abriria. Estava lá dentro agora. E mesmo fora era lá que estaria.
E bebeu mais uma dose para não perder as memórias reais entre as verdades mentidas que contavam em cada canto daquele lugar.

Um comentário:

  1. Um cheiro sob os escombros de mil vidas que vivemos a cada dia.
    De mil modos e mil motivos.
    Vejo assim.

    E assim me faz bem.

    Muito bom, Lacerda.

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